sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Parecer do Recurso pelo NÃO PROVIMENTO ao Registro de Candidatura de JOÃO MOTA.


MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL

Exmo. Senhor Juiz do tribunal Regional Eleitoral do Ceará.

Processo nº 106-42.2012.6.06.0041 - Protocolo 52.726/2012.
Classe: 30 - Recurso Eleitoral.
Recorrente: João da Silva Mota Filho.
Relator: Juíz Raimundo Nonato Silva Santos.


PARECER Nº /2012

João da Silva Mota Filho requereu seu registro de candidatura ao cargo de Prefeito no Município de Tejuçuoca/CE, tendo o Juízo da 41ª ZE indeferido a pretensão, mediante sentença de fls. 182/185, considerando que o candidato teve contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios e pela Câmara Municipal de Tejuçuoca/CE, por decisão irrecorrível, nos últimos oito anos.

Irresignado, João da Silva Mota Filho interpôs Recurso Eleitoral, objetivando a reforma do decisum monocrático e, conseqüentemente, o deferimento de seu pedido do registro de candidatura [fls. 187/201].

DA TEMPESTIVIDADE

O presente recurso é tempestivo já que interposto no tríduo legal (art. 52, § 1º, da Resolução TSE nº 23.373/12), devendo portanto ser conhecido.

Sentença publicada em 1º.08.2012 [fl. 186]. Recurso Eleitoral interposto em 04.08.2012 [fl. 186V].

DA COMPETÊNCIA DO TCM PARA JULGAR CONTAS DE PREFEITO

Os fundamentos da AIRC são a existência de processos julgados pelo TCM/Ce, tendo sido o recorrido neles condenado definitivamente por irregularidades insanáveis em contas públicas onde era o gestor responsável, condutas configuradoras de atos dolosos de improbidade administrativa, como demonstrado nos autos e adiante comentado.

Contudo, apesar desta constatação, a juízo a quo entendeu que Tribunal de Contas dos Municípios não detém competência para julgar prefeito municipal nas referidas contas, sendo este o único fundamento da sentença (fls. 109/113).

Discordamos completamente de tal entendimento.

De fato, demonstra-se errônea a tese levantada de que somente o Poder Legislativo pode julgar contas do chefe do Executivo, como se demonstrará.

Para melhor situar a questão, faz-se necessário analisar o dispositivo constitucional aplicável à matéria:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - Apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento; (grifamos).
II - Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público Federal,, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; (grifamos).

Ressalta-se que o art. 75 da CF/88 estende a aplicabilidade do dispositivo acima aos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios.

Observa-se que a Constituição Federal estabeleceu duas funções diversas aos Tribunais de Contas, assunto já abordado pelo Supremo, onde ora emitem apenas parecer prévio e ora efetivamente julgam.

No entanto, para que se demonstre que tais atribuições constitucionais dos Tribunais de Contas é preciso diferenciar os tipos de atos dos agentes do Estado, que se dividem em atos de governo e atos de gestão.

Os atos de governo são aqueles de conotação política pelos quais serão traçadas as linhas gerais Administração Pública (planos de ação ou diretrizes governamentais) e, de outro lado, os atos de gestão tratam de gerir a máquina pública, são atos de excução, ou seja, abrange a prática dos atos que proporcionam o caminhar diário da Adimistração Pública.

Assim, as contas "apreciadas" (e não julgadas), previstas no inciso I do art. 71 da CF/88, referem-se às contas anuais, as chamadas contas de governo, ou globais, nas quais os tribunais de contas, reaalmente, emitem, apenas parecer prévio, competindo, sim, ao parlamento, o respectivo julgamento, cuja natureza é meramente política. São contas anuais de natureza "macro", que versam sobre balanço geral, gestão financeira, orçamentária e patrimonial; cumprimento dos programas previstos na lei orçamentária anual; dívida fundada; organização e controle interno do ente, etc. Ou seja, tratam mais de aspectos de política administrativa e, por isso mesmo, são postos também sob o julgamento político do Legislativo.

São justamente a essas contas anuais de governo a referência feita pelo art. 31, § 2º, da Constituição Federal, quandpo dispõe que "O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisção de dois terços dos membros da Câmara Municipal". Essa foram, no presente caso, as contas de 2004 aprovadas pelo Legislativo Muncipal, a despeito de parecer desfavorável do TCM, como acima relatado.

Já no inciso II do art. 71, a Carta Magna atribui aos Tribunais de Contas a função de "julgar", dirigindo-se aos responsáveis diretos pela aplicação do dinheiro público. São as chamadas contas de gestão, nas quais estão compreendidas a realização de licitações, o pagamento de fornecedores e servidores, em suma, a administração do custeio da máquina pública.

Diferentemente das contas de governo, constituem atos de gestão, com uso direto do dinheiro público, os quais podem e devem ser fiscalizados tecnicamente e, se possível, a cada ato isoladamente, no dia-a-dia, para que possam ser corrigidos a tempo ou impugnados e sancionados com multa, consoante previsto no inciso III do citado dispositivo constitucional.

Logo, conclui-se que a irregularidade dos atos de gestão praticados pelos chefes do Excutivo, está sujeito ao julgamento técnico das Cortes de Contas, não sendo objeto de apreciação política pelos parlamentares.

O entendimento acima é compartilhado por diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça, sendo a posição que deve prevalecer.

Dessa forma, apesar de hever algumas decisões do STF e TSE nos termos aqui defendidos pelo recorrido, temos que, data venia a eminência dos julgadores das Egrégias Cortes, resta totalmente equivocado tal entendimento, talvez tomado sem a apurada análise da matéria (diferenciação contas anuais de governo - art. 71, I, da CF/88 X contas de gestão -  art. 71, II, da CF/88).

Assim, temos que cabe ao Ministério Público Eleitoral em todo o país, bem como aos Tribunais Regionais Eleitorais, que não sustentem a equivocada tese aqui defendida pelo juízo eleitoral de primeiro grau, de forma a pressionar os tribunais superiores a firmarem o entendimento aqui defendido pela competência constitucional dos tribunais de contas de, efetivamente, julgar os Chefes do Executivo, no caso de contas de gestão de recursos públicos, para que não seja negada efetividade ao disposto no art. 71, II, da Carta Magna, nem jogada por terra a conquista posta na parte final do art. 1º, I, da LC nº 64/90, quando manda aplicar o referido dispositivo constitucional do art. 71, II, a "todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

O STF, por 7 de seus 10 ministros, vem sinalizando pelo acolhimento da tese ora definida, os quais negam sistematicamente as liminares pedidos pelos ex-prefeitos em reclamações perante aquela Corte.

A par disso, anoto que o recorrido requereu perante o STF a suspensão dos efeitos da decisão do TCM, no bojo da Reclamação nº 13.375, que teve o mesmo desfecho do processo acima referido, coma negativa de sua pretensão por parte da Ministra Carmen Lúcia, bem como na Reclamação nº 13.898, desta feita com negativa pelo Ministro Joaquim Barbosa.

DO MÉRITO - DA CAUSA DE INELEGIBILIDADE

A inelegibilidade suscitada nos autos tem suporte na alínea "g" do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com redação inovada pela "lei da ficha limpa" (Lei Complementar nº 135, de 2010):

g) Os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição, sem exclusão de mandaários que houverem agido nessa condição; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010).

Nocaso dos autos, resta saber se as condutas que geraram as várias rejeições de contas, por decisão irrecorrível da respectiva Corte de Contas e da Casa Legislativa: a) Constituem irregularidades insanável; b) Configuram atos dolosos de improbidade administrativa.

Em primeiro lugar, tem-se que insanável é toda e qualquer irregularidade que não pode ser "corrigida" e que pela sua gravidade traduz o comprometimento dos princípios norteadores do Direito Administrativo, em especial os da legalidade, moralidade e impessoalidade, ultrapassando a fronteira entre os pequenos erros de natureza formal e a falta de probidade administrativa.

Em segundo lugar, a locução "ato doloso de improbidade administrativa" comporta o exame da conduta ensejadora da desaprovação das contas sob duas perspectivas: a de ser ato de improbidade administrativa e a demonstração de dolo no agir do gestor público.

Quanto a ser ato de improbidade, a referência que se deve ter na mente é a própria Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 7.429/92), que se triparte em três espécies de atos: Os que geram enroquecimento ilícito do próprio gestor (art. 9º), os que causam prajuízo ao erário (art. 10º) e os que correspondem a graves violações dos princípios constitucionais do Direito Administrativo (art. 11).

Desse modo, o dolo do ato de improbidade deve ser afastado apenas quando, de maneira clara e precisa, não se possa vincular o ato praticado à figura do gestor que por ele foi responsabilizado, sob pena de esvaziamento da alínea "g" do art. 1º, da lei das inelegibilidades.

Dito isso, analisaremos, adiante, as condutas que ensejaram a rejeição das contas do ora candidato.

DOS ATOS DE IMPROBIDADE

A AIRC fundou-se no processo, oriundo do TCM/CE, observa-se que existem outros processos que dão ensejo a inelegibilidade do recorrente, de julgamento direto do próprio TCM (contas de gestão, como acima analisado). O processos são:

Contas de Governo 2002: Proc. TCM 8439/03, com parecer prévio desfavorável do TCM seguido pela Câmara dos Vereadores, que julgou pela desaprovação, fls. 43/66;

Contas de Gestão julgadas pelo TCM em Tomadas de Contas de Gestão:

Processo Nº 2000.TJC.TCS.05535/05 - Prefeitura Municipal de Tejuçuoca. Recurso de Reconsideração. Exercício 2000. Acórdão 1187/2006.

Processo Nº 22.581/03. Exercício 1998. Prefeitura Municipal de Tejuçuoca. Acórdão 4098/2007.

Processo Nº 11.046/02. Exercício 2001. Prefeitura Municipal de Tejuçuoca. Acórdão 702/07.

Da rejeição das contas por condutas configuradoras de atos dolosos de improbidade administrativa.

Feitas as alegações acima, passemos à análise das principais inrregularidades ensejadoras da desaprovação de contas de governo sob responsabilidade do recorrente, no bojo do Processo nº 8439/03, que levaram ao indeferimento do requerimento do registro de candidatura, vejamos.

1 - Falta de comprovação da destinação da Reserva de Contingência na abertura de créditos adicionais. O Município de Tejuçuoca, durante o exercício de 2002, abriu créditos Adicionais no valor de R$2.981.000,00; entretanto deixou de comprovar a destinação da reserva de contingência. Descumpriu o impugnado o Art. 5º, inciso III da Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como o Art. 10, inciso VI da Lei de Improbidade Administrativa, caracterizando, sem sobra de dúvidas, em vício insanável.

2 - Baixa arrecadação da Dívida Ativa. Agiu o impugnado com negligência ao deixar de cobrar tributos e créditos do Município de Tejuçuoca, infligindo o Art. 10, inciso X da Lei de Improbidade Administrativa.

3 - Valor repassado ao Legislativo a título de Duodécimo superou o limite máximo permitido para despesas com o Poder Legislativo, 8% do Total dos impostos e transferências do exercício anterior. O Impugnado, ao transferir à Câmra Municipal valores superiores aos permitidos por lei, infrigiu norma cosntitucional prevista no Art. 29-A, inciso I, que à época determinada a porcentegem máxima de 8% para despesas com o Legislativo, infrigindo por conseqüência a Art. 10, VI da Lei de Improbidade, por "liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular". Nâo é cabível a tese do recorrente de que a quantia que superou o limite máximo permitido é irrisória, e de que isso não ensejaria ato doloso de improbidade, e, conseqüentemente, sua elegibilidade. É sabido que não se aplica o princípio da insignificância nos casos de improbidade administrativo, e mesmo que se aplica-se, o impugnado estaria inelegível pelos outros motivos destacados acima, portanto, estar claro a inelegibilidade do recorrente.

Ademais, mesmo não tendo sido nada alegado na AIRC de 1º grau é de se destacar que existem vários outros processos de desaprovação de contas de gestão do Sr. João da Silva Mota Filho no TCM/CE em que se percebe vários atos que ensejam atos dolosos de improbidade administrativa com vício insanável.

A Corte de Contas condenou o recorrente pela prática de diversas irregularidades, destacando-se aquelas atinentes à Lei de Licitações, observando-se nos Acórdãos dos Processos TCM Acórdão 1187/2006; 4098/2007; entre outros, a ausência de licitação.

Para este òrgão Ministerial, constatada a efetiva condenação pela prática de irregularidades, afrontosas à Lei de Responsabilidade Fiscal e à lei das Licitações, mostra-se escorreita a sentença atacada, eis que,  ao contrário do que afirma o recorrente, as falhas apontadas pelo TCM não consistem meros erros formais.

Com efeito, constatou a Corte de Contas haver várias irregularidades, que constituem vícios graves e isanáveis, caracterizando atos dolosos de improbidade administrativa, a incidir a inelegibilidade prevista na alínea "g" do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90.

Segundo a o art. 10 da Lei nº 9.429/92, constitui ato de improbidade administrativa frustrar a licitude do processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente.

Assim, tenho que, na espécie, os vícios são graves e insanáveis, caracterizando atos dolosos de improbidade administrativa, a incidir a inelegibilidade prevista na alínea "g" do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90.

O detalhamento das irregularidades e as decisões do TCM/CE, nos processos acima relacionados, fala por si só e desmerece maiores comentários. Em vários dos casos acima destacados, é nítida a ococrrência de dano ao erário, notadamente pelo desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, ausência de licitação, não repasse de valores ao INSS (dano financeiro à Previdência Social, além de poder configurar crime contra a Previdência Social).

No que se refere à ausência de notas de improbidade, tenho que a caracterização de improbidade não é possível somente quando a Corte de Contas atribui tal pecha, podendo o Judiciário fazê-lo diante do casso concreto. Sobre o tema, trago à colação entendimento jurisprudencial desse Regional, segundo o qual, a "Ausência de nota de imprbidade administrativa no acórdão do Tribunal de Contas dos Municípios não impede a Justiça Eleitoral de, no caso concreto, acaso constatada a sua ococrrência, reconhecê-la e DECLARAR A INELEGIBILIDADE DO CANDIDATO quando do julgamento do respectivo pedido de registro de candidatura e/ou impugação. Precedente desta Corte" [Consulta nº 4173 - Acórdão nº 4173 de 18/06/2012. Relator Francisco Luciano Lima Rodrigues. Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônica, Tomo 117. Data 02/07/2012, pág. 8/9].

As irregularidades citadas são gravíssimas, e constituem, sem sobra de dúvidas, ofensas aos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/92.

O dolo das condutas, por seu turno, fica evidenciado na medida em que não se visualiza qualquer fato que possa afastar a sua prática à figura do gestor que veio a ser condenado, o que se exterioriza pela inconstetável plausibilidade da alegação de que o gestor tem a obrigação de bem gerir os recursos públicos, principalmente no que diz respeito à higidez da contratação, realização e pagamento de despesas públicas, do uso de bens públicos estritamente no serviço e da probição de contratação de parentes na Administração Pública.

CONCLUSÃO

Isto posto, ante as razões elencadas, manifesta-se o Ministério Público Eleitoral pelo conhecimento mas NÃO PROVIMENTO do recurso, mantendo-se a sentença atacada que INDEFERIU O REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA DE JOÃO DA SILVA MOTA FILHO ante a incidência da causa de inelegibilidade do art. 1º, I, "g", da LC nº 64/90.

Márcio Andrade Torres
Procurador Regional Eleitoral


FONTE: Procuradoria da República no Ceará
Ministério Público Federal

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